Fisioterapia Respiratória Pediátrica

Sara Pacheco Ferreira | Fisioterapeuta pediátrica

A criança não é um adulto em miniatura!

Quando pensamos no sistema respiratório de um bebé, pensamos num sistema ainda em desenvolvimento, com características estruturais e fisiológicas muito específicas que o tornam vulnerável.

Nos primeiros dois anos de vida, o pulmão atravessa o período da alveolização e da maturação microvascular (Schittny & Burri, 2008), inserido numa caixa torácica de formato triangular, cuja horizontalização das costelas mais inferiores não facilita o trabalho do diafragma durante a ventilação. Para além disso, os músculos respiratórios são ainda pobres em fibras do tipo I, tornando-os menos resistentes à fadiga, com maior impacto nos bebés prematuros. Também o facto dos bebés serem respiradores nasais (até aos 4–6 meses), de a língua ser maior em relação à orofaringe, de a laringe estar numa posição elevada e ter um formato afunilado e da trompa de Eustáquio ser mais horizontal, favorece a acumulação de secreções na via aérea superior, fazendo com que uma simples constipação possa provocar grandes alterações no estado geral do bebé, na sua alimentação e no sono (Postiaux, G., 1998).

O desenvolvimento das vias aéreas distais é mais lento do que o das vias aéreas proximais durante os primeiros 5 anos. Este fator, associado ao menor comprimento da via aérea (laringe próxima dos brônquios) faz com que o pulmão do bebé e da criança esteja mais exposto a infeções virais. Claro que o sistema respiratório apresenta vários mecanismos de defesa, que atuam na remoção de partículas inaladas e microrganismos, como a barreira mecânica e o sistema imunológico, e ainda:
- o reflexo da tosse (que pode estar diminuído nos recém-nascidos);
- o fecho da glote, interrupção da respiração e espasmos;
- os movimentos dos cílios e o aparelho mucociliar.

No entanto, vários fatores podem também comprometer as defesas do sistema respiratório na infância, como por exemplo:
- a grande área ocupada por glândulas mucosas na criança, que favorece a hipersecreção e a obstrução em resposta a situações inflamatórias;
- a “sensibilidade” do mecanismo mucociliar, que pode ser comprometido por ambientes de fumo, alterações da temperatura, pela toma de corticóides e de alguns anestésicos.

Chegou o Outono, e agora?

Com a chegada do Outono, vêm também as preocupações relacionadas com as infeções respiratórias nas crianças pequenas. De facto, a maior incidência verifica-se nos meses frios, sendo um fator de grande preocupação para pais e cuidadores, este ano ainda mais agravada pelo contexto de pandemia que vivemos. Por tudo isto, é fundamental conhecer as infeções mais comuns e sermos capazes de identificar sinais de alerta, para uma atuação atempada na prevenção e/ou estabilização da evolução da doença!
O vírus é, na maioria dos casos, o agente responsável, sendo a sua transmissão favorecida em ambientes poluídos ou com pouca higiene e em espaços fechados (como o domicílio, creches e escolas e outras comunidades).

A CONSTIPAÇÃO COMUM(coriza, rinofaringite) é a doença infeciosa das vias aéreas superiores mais comum da infância. As crianças com menos de 5 anos podem apresentar 5 a 8 episódios por ano, uma vez que se transmite facilmente através das gotículas produzidas pela tosse e espirros ou pelo contacto de mãos contaminadas, e na partilha de brinquedos, de umas crianças para outras.
Principais sinais e sintomas:
- dor de garganta
- rinorreia (pingo no nariz)
- obstrução nasal (o bebé tem dificuldade em mamar ou estar com a chupeta)
- tosse seca
- febre (variável)
O bebé pode apresentar alguma agitação e choro fácil, perda de apetite e alteração do sono, com dificudade respiratória pela obstrução nasal. A criança maior pode referir dor de cabeça, dores no corpo e até “arrepios”.

A BRONQUIOLITE é a doença respiratória mais comum em crianças com menos de 2 anos, que se caracteriza por uma inflamação aguda, edema e necrose das células epiteliais que revestem as pequenas vias aéreas do trato respiratório inferior, com aumento da produção de muco e broncospasmo. Em cerca de 70% dos casos, o vírus sincicial respiratório é o responsável (80–90% nos meses de inverno), demorando cerca de 2 a 3 semanas a ser eliminado do organismo da criança (Lancet, 2017).
O baixo peso à nascença, a prematuridade, a presença de doença pulmonar e/ou cardíaca, ambientes com fumo de tabaco, infantários e clínicas e hospitais constituem alguns dos principais fatores de risco da bronquiolite.
Principais sinais e sintomas:
- rinorreia (pingo no nariz)
- tosse
- sibilos (“chiadeira”, “panelinha”,…)
- taquipneia (respiração acelerada)
- dificuldade respiratória (gemido, adejo nasal)
Como a maioria das infeções, a bronquiolite pode apresentar vários níveis de gravidade, mas, geralmente, está sempre associada a um quadro de hipersecreção (produção exagerada de secreções), edema e broncospasmo ao nível dos bronquílos, com consequências significativas ao nível da interação do bebé, do apetite, da qualidade do sono e, obviamente, da sua qualidade de vida (Bialy, et al, 2011).

A Fisioterapia Respiratória pode ajudar!

O diagnóstico de infeção respiratória é feito, na maioria das vezes, pela clínica que a criança apresenta, sendo tomadas as medidas de tratamento adequadas. No entanto, a acumulação de secreções começa, muitas vezes, ao nível da via nasal, nos primeiros meses do Outono, quando a criança regressa à creche ou infantário, e, não sendo limpa com frequência, pode levar a acumulação das secreções nas vias aéreas mais distais.

Quando deve recorrer à Fisioterapia Respiratória Pediátrica?
Se identificar algum destes sinais no seu bebé:
- obstrução nasal
- tosse
- aumento de secreções ou “farfalheira” (acumulação)
- outros sintomas indicativos de infeção respiratória (alterações do sono, perda de apetite, prostração).

A fisioterapia respiratória pediátrica reune um conjunto de técnicas manuais específicas que facilitam a mobilização e a remoção das secreções no recém-nascido, no bebé e na criança, quando a tosse não é eficaz, ou quando as secreções se encontram profundamente no pulmão ou são demasiado espessas. Estas técnicas, primeiramente estudadas e desenvolvidas por Guy Postiaux, consistem na maximização dos mecanismos de ação fisiológicos da inspiração e expiração através das mãos do fisioterapeuta, permitindo que as secreções se desloquem até à via aérea superior (boca e nariz) de forma a serem expelidas pela tosse (tosse provocada quando o bebé/criança não consegue tossir autonomamente).
Desta forma, a fisioterapia respiratória intervém no sentido de melhorar a ventilação e as trocas gasosas, reduzir o esforço respiratório e a dispneia, aumentar a tolerância ao esforço e melhorar a qualidade de vida da criança.

A intervenção deve ser planeada de forma rigorosa, tendo por base a avaliação, a auscultação pulmonar e o raciocínio clínico de acordo com o conhecimento da fisiopatologia respiratória. Deve ser realizada por um fisioterapeuta pediátrico experiente e com formação específica, num ambiente tranquilo e seguro para a criança, onde os pais ou cuidadores possam estar presentes. É ainda muito importante que sejam ensinadas à família estratégias simples e preventivas, no sentido de capacitar para a colocação do soro fisiológico de forma eficaz e manter a via aérea limpa e arejada e, assim, prevenir a acumulação de secreções e recidivas.

Os pais devem estar devidamente informados e conhecer as vantagens que podem advir da fisioterapia respiratória no seu bebé ou criança. Aconselhe-se com o seu fisioterapeuta e quem sabe este Inverno será menos complicado!

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